Quebrando o estigma de vendas
- Eurico Spínola
- 4 de jul. de 2023
- 4 min de leitura

Você já reparou que algumas pessoas querem manter distância de vendedores? De alguma forma, elas acham que vendedores as “empurram” para comprar alguma coisa. Elas também pensam que vendas é uma atividade não muito nobre e que quem vende é porque não tem outra escolha profissional. Na nossa cultura, por conta dessa má fama, há vendedores que têm restrições a se autodenominar dessa forma, pois têm um pouco de vergonha. Isso é o que eu chamo aqui de estigma de vendas.
No seu livro “Vender é humano”, Daniel Pink nos mostra um pouco sobre essa percepção. Lá, inicialmente, ele menciona uma pesquisa onde perguntava qual a primeira palavra que vem à mente quando a pessoa pensava em vendas. As respostas foram mapeadas e classificadas pela frequência que apareciam. Quando as palavras mencionadas eram um substantivo, respostas como “dinheiro”, “marketing” ou “persuasão” estiveram entre as mais frequentes. Quando eram adjetivos (e passavam mais emoção) surgiram palavras mais contundentes como “insistente”, “difícil” e até “nojento” e “vulgar”.
E por que essas emoções aparecem? E o que tem a ver com o nosso estigma?
O que acontece é que, há alguns anos, por haver menor acesso a informações, havia uma assimetria entre o vendedor e o comprador. Ou seja, o vendedor tinha muito mais informações sobre o produto que ele estava oferecendo do que o comprador. Isso obrigava o comprador a confiar quase que cegamente no que o vendedor falava, o que fazia com que o risco da transação ficasse do lado dele. E muitos vendedores se aproveitaram dessa situação e, sim, “empurraram” produtos. Ao perceberem que foram iludidos ou até mesmo enganados, compradores passaram a agir de forma defensiva, sempre desconfiando. Essa assimetria durou décadas e criou essa má reputação que persiste até hoje.
Mas o que mudou? Por que esse estigma deve ser quebrado?
Vou listar aqui quatro pontos e convido você a considerá-los.
O primeiro ponto é que os tempos mudaram. Hoje, facilmente, conseguimos pesquisar sobre um determinado produto, entendendo com mais clareza qual a sua utilidade e suas características. Conseguimos também compará-lo rapidamente com produtos similares e determinar suas vantagens e desvantagens, além de termos a possibilidade de comparação de preços na palma das nossas mãos (literalmente). Aquela assimetria que existia não acontece mais (ou acontece em uma proporção muito menor). E por conta disso, aquele risco, que antes pesava mais para o lado do comprador, hoje pesa para o lado do vendedor. Se ele não for transparente, se não se colocar no lugar do cliente (comprador), ou não fechará a venda ou ficará com a sua reputação manchada. Isso nos leva ao segundo ponto.
Além de termos acesso a informações sobre os produtos, temos também hoje acesso às avaliações feitas por outros compradores sobre um determinado vendedor (ou sobre um produto/serviço, ou sobre uma empresa). Vejam que isso amplia ainda mais o poder do comprador. Incluí propositadamente a palavra serviço logo acima, pois esse é mais difícil de ser comparado (pois envolve contextos e competências) e normalmente é vendido por referência. Ou seja, a reputação do vendedor passa a ser levada em conta de uma forma ainda mais forte. O bom vendedor, hoje, se diferencia pela sua confiabilidade, pela sua transparência e pela sua genuína vontade de ajudar o seu cliente, resolvendo ou prevenindo algum problema ou atendendo a algum desejo. O que nos leva ao terceiro ponto.
Essa mudança na balança de riscos tem alterado o comportamento dos vendedores. Hoje eles precisam desenvolver algumas habilidades além daquela persuasão puramente imposta. É claro que ainda há ferramentas de persuasão poderosas (como gatilhos mentais, por exemplo) e que podem (e às vezes devem) ser usadas para contribuir no processo de tomada de decisão de uma compra. Acontece que somente isso não é mais suficiente. O vendedor precisa se conectar com seu cliente, precisa se comunicar bem, precisa ser resiliente, precisa ter disciplina, precisa ser flexível. De forma resumida, ele precisa servir ao seu cliente. Isso faz dessa nova relação entre vendedores e compradores algo mais produtivo e positivo. O vendedor deve se colocar agora como alguém que oferece ajuda ao seu cliente. E tem que ser competente o suficiente para que ele assim o perceba. Mas e qual seria o quarto ponto?
O último ponto que gostaria de ressaltar é que cada vez mais todos percebemos que somos vendedores, independente da nossa profissão ou da nossa área de atuação. Somos conduzidos, no nosso dia a dia, a ter que convencer outras pessoas sobre o que pensamos, sobre as ideias que temos, sobre projetos, sobre tratamentos, sobre dietas, sobre alternativas, sobre investimentos, e por aí vai (a lista pode ser tão grande quanto você queira). Tudo o que falei é uma forma de venda. E se somos vendedores, não faz sentido estimularmos qualquer estigma de vendas. Somos compradores e vendedores a todo o tempo.
Isso nos leva a concluir que a relação entre compradores e vendedores, especialmente hoje em dia, deve ser pautada pela colaboração, pela ajuda, pela ética e pela transparência. O estigma deve ser quebrado. Estamos dos dois lados.





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